REFRESCOS - #6 Leoninas
uma leonina
a ideia de nascer portador de um signo é boa porque é como um brinde que você ganha ao nascer, junto com o tapa. você não paga nada por ele (e ninguém, nem mesmo um bebê está em condições de recusar coisas de graça nessa etapa do capitalismo). além disso, o signo te fornece um atalho de personalidade para seguir caso não queira passar pelo desgaste de descobrir qual é a sua por conta própria, no decorrer de muitos anos, na tentativa e erro, correndo o risco de ser cooptado por uma religião ou seita ou ambos.
e não é um atalho daqueles que passam no meio de canaviais e você tem certeza que não vai sair viva dali. não. tem uma infra-estrutura boa: principais características, pontos fortes/pontos fracos, habilidades profissionais… é essa comodidade que atrai os entusiastas do signo. entusiastas estes que não são hippies esotéricos, como A GRANDE MÍDIA quer nos fazer crer. quem gosta de signo é essencialmente um pragmático. um burocrata. um escoteiro. uma pessoa que está disposta a jogar com aquilo que lhe foi dado. não é o maluco do RPG que fica aquele tempo todo preenchendo a ficha do personagem. é o maluco que acha uma ficha pronta no chão, lê e passa a agir de acordo.
eu, por exemplo, sou de leão com lua em leão e ascendente em peixes. o que quer dizer que meu ascendente precisa cortar um dobrado pra me tornar uma pessoa minimamente decente. e eu aceitei isso como se fosse a expressão matemática da minha vida: leão + leão + peixe = vou fazer duas ações horrorosas e uma boa. cometer um latrocínio e, correndo para fugir do local do crime, evitar uma calçada com cimento fresco, por exemplo. ou então roubar dos ricos para dar para os pobres, não conseguir dar o dinheiro para os pobres e viver uma vida de fartura, mas com uma pontinha de culpa. ou ainda… bom, vocês entenderam e eu já me autoincriminei demais.
outra leonina
É difícil para nós leoninas sentir uma pontada de identificação toda vez que usam o adjetivo “leonina” para discriminar qualquer coisa ruim, como “isso é uma cláusula leonina”, que a lei já vai considerar nula, por ser algo imperativo, egoísta e que existe em detrimento de outros.
Sempre assimilam a nós, pobres coitados que nasceram entre julho e agosto, aquele ar de superioridade, garbo, glamour, brilho e tremenda arrogância.
Confesso que me deparo com esse tal do “orgulho de leão” em pequenas coisas como o fato de eu sempre ter assimilado que meu aniversário, que é dia 24/7, também ser uma referência de “24 horas por dia, 7 dias por semana” me fazer sentir como se eu tivesse nascido no dia perfeito para que o meu venerável aniversário acontecesse 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Nem faz sentido, eu sei. Só por esse exemplo eu já aceito todas as críticas ao meu signo.
A gente faz por merecer.
Como o fato de que em 2005 eu, que sou leão com ascendente em leão, criei a comunidade do Orkut “Leoninos ao Quadrado”.
Eu sei, eu sei. Quando lembro disso levo a mão na testa e sinto uma vergonha alheia quase como devem sentir as mulheres que participavam da comunidade “Complicada e Perfeitinha” (e se não sentem, deveriam).
Ser mulher de leão nos faz desenvolver milhares de forma de tentar apresentar modéstia ou falsa timidez, sempre prontas pra responder um “magina, o que é isso, eu sou super low profile” ou “isso aqui? comprei na C&A”.
Mas não adianta.
É que esse negócio leonino de ser de leão vem pra nos morder os calcanhares. Não importa o quanto você diga que não acredita em signos, que as pessoas tem suas subjetividades pessoais, que é coisa de Junguiano-jovem-místico, sempre vai concordar quando alguém te disser, naquele momento em que você arrumar o cabelo no espelho do carro: “tu é muito leonina, né?”.
dicas leoninas
o livro da paula — www.amazon.com
a história termina com um carro vazando óleo no fundo do lago de um pesque-pague abandonado
"tomar uma droga que poderia ser minha ruína não me parece algo que eu faria nessa vida. e, mesmo assim, hoje me encontro mais disposta a tomar do que a não tomar."
Caviares
Política, humor, cultura pop, a vida e tudo o mais. Um grupo de amigos que resolveu virar podcaster na pandemia.